Iº
O ano de 1995 foi um ano especial para mim, pois foi quando pela primeira vez lecionei como professor substituto na EBA/UFRJ, nas disciplinas Teoria da Pintura, Pintura V (1º semestre) e Pintura I (2º semestre). Trabalhar como professor foi (é) para mim uma experiência muito boa, que me permite aprender enquanto ensino, já que cada aluno é um universo único e como professor tenho que me preparar para conseguir atender a todas as expectativas sobre mim lançadas – especialmente num curso universitário de arte.
Mas 1995 também foi o ano em que comecei a série de pinturas intitulada de “Sonhos Tropicais”, que sob muitos aspectos representou uma mudança de rumo em meu trabalho e um grande aprimoramento do mesmo, quando tive a oportunidade de perceber muitas coisas que antes não havia percebido em minha linguagem plástica, além de aprender na prática algumas coisas muito importantes para melhora-la. O ponto de partida desta série foi um livro sobre o pintor expressionista alemão Max Beckmann, que me foi presenteado pela minha primeira turma da EBA. Este pintor pertenceu à escola expressionista alemã da década de 30 do século passado, conhecida como “Nova Objetividade”, que buscava denunciar de forma muito contundente as mazelas da sociedade germânica daquela época, oriunda da 1ª Grande Guerra e a caminho da 2ª. Assuntos como miséria, prostituição, cabarés, autoritarismo e coisas do gênero estavam presentes não só na obra de Max Beckmann, mas também na Georg Groz e outros expressionistas daquele tenso período.
Contudo, o que me chamou a atenção na obra deste pintor não foram os seus temas, mas sim a maneira como eles os tratava, através de um desenho muito marcado, deformações expressivas em suas figuras, cores bastante contrastantes (especialmente em sua fase mais madura) e um jogo de luz e sombra muito intenso, tudo isso para construir composições extremamente dinâmicas, ousadas e, às vezes, muito cômicas. Na obra deste artista pude encontrar o que me faltava para melhor construir a minha própria linguagem, que já trazia em si elementos semelhantes aos dele como o grafismo explícito derivado da minha xilogravura e o uso de um cromatismo forte. Restava-me compreender mais claramente como seria possível trabalhar com estes elementos para criar composições mais dinâmicas, além de incorporar um claro-escuro mais denso, que desse mais peso as minhas figuras. Estudando a pintura de Max Beckmann, pude enxergar como fazer tudo isso de um jeito que tivesse relação comigo.
Mas havia ainda a questão do que pintar, que temas abordar através deste novo (para mim) procedimento plástico, já que não me interessava falar das misérias humanas em meu trabalho. Encontrei a resposta em dois caminhos diferentes, o primeiro deles passava por um gênero muito tradicional da pintura, o das composições de natureza-morta, também abordados pelo próprio Beckmann, mas criadas de uma forma bastante fantasiosa e não convencional. O segundo caminho, mais instigante, era o da improvisação, que de certa forma tem relação com um dos processos utilizados pelos surrealistas que, no meu caso, consistia em pegar lápis e papel e sair desenhando figuras e formas livremente, sem intenção temática ou de composição definida, realizando uma espécie de “desenho cego”. Depois, ao final de muitos desenhos, eu escolhia neles os elementos que mais me agradassem e os juntava numa única composição, buscando então uma lógica que lhes desse algum sentido, ainda que vago. O resultado foram composições cuja interpretação é muito aberta, criadas numa situação de muita cor e movimento, onde o desenho e o claro-escuro são bastante marcantes.
Curiosamente as situações surgidas em cada pintura (além das cores muito vivas) me pareceram muito ligadas ao nosso contexto cultural, de país tropical e muito sincretismo em tudo, daí me veio a idéia de intitular toda a série de “Sonhos Tropicais”. Esta experiência durou dois anos, mas foi retomada em 2000, com algumas características diferentes (no intervalo passei por dois momentos rápidos de abstração, que serão comentados no tempo devido).
IIº
Contudo, antes de começar a ilustrar este assunto com trabalhos da série, vou falar rapidamente de um evento muito interessante em que estive envolvido em 95, enquanto dava aula pela primeira vez na EBA. Naquela ocasião estava em andamento um projeto intitulado “EBA PINTA O FUNDÃO” ( “Fundão” é o nome da ilha onde se localiza um dos campi da UFRJ), dirigido pelo professor Aurélio Neri, também do curso de Pintura. O tal projeto tinha como objetivo a criação de grandes painéis, por parte de alunos e professores convidados, a serem distribuídos por várias faculdades dentro da Cidade Universitária. Ao receber um convite para realizar um destes painéis, aceitei com um entusiasmo muito grande.
Sendo assim, parti de uma pintura, mostrada na postagem anterior, onde uma enorme mulher azul flutua horizontalmente, para criar a minha primeira versão do clássico tema “O Nascimento de Vênus” sobre um suporte de compensado medindo 220 X 170 cm, que atualmente encontra-se exposto no corredor do 6º andar da EBA (mas seu lugar original era a parede externa do Museu D. João VI, na Reitoria, de onde foi retirado por motivo de obras no local). Nesta enorme pintura, que homenageia o grande gravador e ex-professor da EBA Oswaldo Goeldi, uma Vênus imensamente gorda flutua sobre o mar, observada por uma enigmática figura a sua direita. A técnica pictórica utilizada foi o óleo e a pasta de cera, que naquela ocasião eu chamava de “falsa encáustica” (ou “pseudo-encáustica”).
Segue, então, “O Nascimento de Vênus (A Mulher Ideal)":
1 - "O Nascimento de Vênus (A Mulher Ideal)" - óleo e pasta de cera sobre compensado - 220 X 170 cm - 1995.
2 - Eu diante de minha Vênus.
3 - Detalhe - Cabeça da Vênus.
3 - Detalhe para observação da textura desta pintura.
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