sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Ingressando na EBA - 1981




Após o "Mundo de Holo" e dos trabalhos postados anteriormente, todos pertencentes a minha fase adolescente, seguirei adiante narrando resumidamente a minha vivência como artista plástico, tratando ainda exclusivamente das minhas experiências no campo da pintura.

Em 1981, ingressei na Escola de Belas Artes da UFRJ, com 20 anos de idade. Havia passado no vestibular para a minha opção nº 1: o Curso de Pintura. Em casa recebi todo apoio possível, embora soubesse que meu pai teria ficado muito feliz se tivesse escolhido a profissão dele: Odontologia (eu havia trabalhado como seu auxiliar, no consultório, desde os meus 13 anos).

A minha expectativa em relação a EBA era enorme, afinal eu ia ingressar numa escola de arte cuja fundação remontava à vinda da Família Real portuguesa ao Brasil no início do séc. XIX. Contudo, confesso que fiquei um tanto decepcionado com o que encontrei. Naquela época, fazia pouco tempo que a EBA havia sido obrigada a se transferir do seu tradiconal prédio no centro do Rio (onde funciona o Museu Nacional de Belas Artes) para os corredores frios da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, na Ilha do Fundão. Consequentemente, a poeira da mudança ainda não havia abaixado completamente, fazendo com que muita coisa funcionasse de forma meio precária e adaptada. Além disso, vários professores estavam contando os dias para se aposentarem e não se mostravam muito entusiasmados com seu trabalho, ensinando de forma automatizada e pouco profunda (com várias exceções, felizmente), havendo ainda uma divisão (de certa forma presente até hoje) entre aqueles de linha mais tradicional e aqueles mais "modernos", o que acarretava uma certa confusão na cabeça dos alunos. Com isso, passei grande parte do "Básico" (2 anos) do Curso de Pintura mais cumprindo meus "deveres escolares" do que realmente crescendo artisticamente (embora hoje em dia veja claramente que sempre estamos aprendendo, mesmo que num primeiro momento não o percebamos). Ainda bem que a EBA oferecia aos seus alunos (nos anos 80 mais do que hoje em dia) diversas Oficinas Complementares; e foi desta forma que tomei contato pela primeira vez com a cerâmica e depois com a gravura (também aprendi um pouco de estamparia e elementos de marcenaria; sobre estas experiências falarei futuramente).

Findo o Básico, passei à etapa final do curso (que também teria a duração de 2 anos): o Profissional. Mas para minha surpresa e de minha turma, justamente quando íamos finalmente mergulhar nas tintas e telas, duas professoras do atelier de pintura (as de Pintura I e II) se aposentaram. Então a improvisação tomou conta de grande parte do curso, com professores de outras disciplinas "quebrando nosso galho" para que não ficássemos sem aula. Por sorte, tivemos de ínicio um bom professor, razoavelmente entusiasmado (principalmente com aqueles em que ele percebia mais talento), que de vez em quando dava umas orientações muito boas. Foi com este professor que aprendi a diferenciar com clareza forma de conteúdo, percebendo que este nem sempre é fundamental para se obter um bom resultado, mas que sem uma forma bem resolvida qualquer trabalho de arte (especialmente a pintura) está fadado ao fracasso. Posso dizer que este foi o ensinamento principal que aprendi como aluno da EBA, e que me fez ver que muitas das minhas "viagens futuristas" estavam mais para o campo da ilustração do que da pintura propriamente dita (embora eu sempre tenha me preocupado em buscar efeitos plásticos diferentes, não orientados somente para as questões de "realismo" visual) .

Por outro lado, na falta de professores nós mesmos, os alunos, nos ajudávamos mutuamente, criticando os trabalhos uns dos outros, sugerindo, dando idéias e passando informações. Para mim esta troca foi de grande valia, servindo-me para abrir ainda mais meus horizontes para as especificidades da pintura. Foi nesta ocasião que tomei um contato maior com as questões concernentes à arte do séc. XX, conhecendo um pouco melhor o pensamento e a obra de artistas que viriam a se tornar referências em meu trabalho como Picasso, Miró, Van Gogh, Paul Klee, Max Ernest, Margrite e outros. Redescobri as diversas escolas da Arte Moderna, principalmente o Expressionismo, o Surrealismo e Abstracionismo. E praticando no atelier da EBA, com ou sem professor, fui entendendo melhor as lições que recebera nas aulas de História da Arte.

Mas o início grande mudança em minha pintura viria principalmente não por interferência de fatores externos mas principalmente por causas internas, de ordem emocional. Na passagem de 84 para 85, já próximo do fim do meu curso, minha vida sofreu uma reviravolta no campo sentimental e, de uma hora para outra, me vi "sem chão". O curioso é que pouco antes do desfecho desta questão pessoal, pintei alguns trabalhos que, embora ainda estivessem muito ligados as minhas fantasias espaciais anteriores, funcionaram (hoje vejo isto com clareza) como premonições das mudanças que em breve ocorreriam em minha vida. Mais uma vez credito isto a minha intuição que sempre me guia, especialmente nestas questões que envolvem arte.

Para ilustrar este momento de mudança, vou postar 3 pinturas feitas na passagem de 83 para 84. São elas:

- Furacão - óleo s/ tela , 60 X 80 cm - 1983.

Nesta pintura, um furacão de fogo está prestes a varrer da planície uma pequena casa, pintada no 1º plano à direita. Na ocasião pintei este quadro inspirado pela leitura do Livro "Desaparições Misteriosas" de Patrice Gaston, que trata de inexplicáveis desaparecimentos em terra, mar e ar desde o passado até o séc. XX. Hoje vejo nesta casinha um símbolo do que eu era na ocasião e o furacão como a mudança que me virou de pernas para o ar.

Em ralação aos aspectos plásticos, embora esta pintura se apoie claramente na perspectiva tradiconal (ela se baseia numa foto do livro mencionado), aspectos novos no meu trabalho são apresentados pela primeira vez, especialmente as liberdades que tomei em relação as cores, exageradas ao máximo em busca de uma grande dramaticidade. O fundo negro serve para intensificar mais ainda este efeito, devido ao forte contraste que propicia.

- A Catedral das Ilusões - óleo s/tela, 80 X 60 cm - 1983.

Um mundo de fragmentos azuis é mantido unido pela forma da catedral. Externamente, círculos concentricos num fundo de fogo são como molas tensas, prestes a demolir a catedral (uma pequena torre à direita já começa a ruir). Eu era esta "castedral": um aglomerado de idéias fantasiosas e ingênuas, que não percebia que os aspectos práticos da vida não podem ser ignorados.

Aqui os contrastes intensos de cor e tonalidade, as justaposições de formas recortadas e as demais variedades de informações visuais encontram-se extremamente comprimidas no interior do espaço pictórico. Por outro lado, ao contrário do "Furacão", neste quadro desaparece a perspectiva naturalista e a "Catedral" torna-se plana como um vitral; este tipo de solução, com abandono quase total das referências naturalistas, era um elemento novo para mim. Por isso, nesta pintura, mesmo em seu aspecto de muito exagero em vários sentidos, acredito ter encontrado um quase equilíbrio entre forma e conteúdo (o tema dramático é representado por uma forma plasticamente dramática mas não literal).

- Os Sábios - guache e óleo s/tela, 55 X 80 cm.

Três figuras caricatas, de olhar melancólico, desfilam contra um fundo praticamente chapado. Contrastando com a tristeza de suas expressões, suas cores intensas e primárias vibram alegremente. É um jogo de contradições visuais que traduz um estado de espírito que está, num determinado momento, caminhando desordenadamente da exaltação à melancolia e vice-versa.

O ponto alto desta pintura é sua cromaticidade intensa, toda construída sobre uma relação de cores saturadas primárias e secundárias. O verde transparente aplicado sobre a cabeça comprida da figura central, por sua textura meio esfumaçada e algo transparente (deixando entrever a camada inicial feita com guache na cor amarela), acrescenta um elemento de interesse visual a mais ao conjunto. Na verdade, idependente da narrativa existente neste quadro, plasticamente ele é essencialmente abstrato ( como os dois anteriores, cada um com seu grau particular de abstração).

Na próxima postagem trarei mais imagens de trabalhos desta fase que considero de transição.

5 comentários:

Anônimo disse...

É interessante de se ver como as cores têm a capacidade de falar sem palavras. Dizem-nas ao sugerir sensações, aguçar a percepção do observador, levando-o a refletir e fazer sua própria leitura, a partir do seu universo particular, seu repertório de vida. Das telas, chamo a atenção para "OS SÁBIOS", envolvidos...melhor, unidos por uma espécie de "halo" que estabelece semelhanças de sentimentos e condições, sugerindo homens e mulheres que vivenciam das mesmas coisas, das mesmas experiências. São imagens instigantes!

Anônimo disse...

É interessante de se ver como as cores têm a capacidade de falar sem palavras. Dizem-nas ao sugerir sensações, aguçar a percepção do observador, levando-o a refletir e fazer sua própria leitura, a partir do seu universo particular, seu repertório de vida. Das telas, chamo a atenção para OS SÁBIOS, envolvidos...melhor, unidos por uma espécie de "halo" que estabelece uma semelhança de sentimentos e condições. São imagens instigantes!

Ricardo A. B. Pereira disse...

Com certeza, Lenir. Estes sábios estão vivenciando as mesmas coisas, as mesmas experiências. Eles são fruto da minha vontade de falar de coisas pouco usuais, de mundos fora do comum, de fantasia e sonho. Todavia, no fundo eles apenas refletem a condição humana, onde se está mergulhado na incerteza e na relatividade das coisas. Considero estas figuras um pouco melancólicas mas pintadas com cores muito alegres. Curioso contraste.

Um abraço.

Ricardo

Anônimo disse...

Pra mim, ficam as luzes das cores
contrastantes o que me transporta
a um espaço de leveza, o que talvez
não aconteceria se fosse só no
vermelho, ou só no amarelo, porém
quando as cores se juntam e delimitam espaços, o deleite provocado é imediato, pelo menos pra mim e ainda mais agora, que andei estudando os impressionistas, pós-impressionistas e fauvistas... Deleite em cores e formas... Vamos dividi-los com quem pudermos, creio que nesta perspectiva,vida à cores, exposta por quem sabe conjugá-las, como você Ricardo, pode melhorar e muito nossos dia-a-dia.
Abraço forte,
Regilan

Ricardo A. B. Pereira disse...

Oi, Regilan. As cores são fundamentais para a pintura, sejam intensas ou moderadas, desde que estejam em harmonia, fazem muito bem aos olhos e ao coração.
O mundo é bastante colorido e nós precisamos estar atentos a isso, e como vivo o mundo em suas cores, minha arte reflete esta vivência.

Um forte abraço.

Ricardo