quinta-feira, 21 de junho de 2007

O Prazer de Pintar






Comecei muito cedo a lidar com pincéis e tintas, praticamente desde a infância. Naquela época, sentia um enorme prazer em aplicar as cores na superfície da tela, sentindo a vibração e a maciez da tinta ao ser espalhada sobre a textura do suporte. E embora me preocupasse com o que iria pintar, o que realmente me atraia era o ato em si, o lidar com os materiais e o prazer de descobrir como combinar as cores e montar as composições, tudo da forma mais intuitiva e autodidata possível.

Hoje, passados tantos anos, apesar de tudo o que aprendi e vivi, quando vou iniciar uma pintura ainda vibra dentro de mim a mesma emoção daquela época, sinto o mesmo interesse e prazer. Logicamente já não mais estou tateando numa terra desconhecida, pois muito caminho já trilhei dentro dela, mas sempre me proponho novos desafios para manter vivo em mim aquele "fogo criativo" que me impele a continuar pintando.

Contudo, houve momentos de "aperto" em que me perguntei se, diante de todos os obstáculos de ordem prática e financeira, fazia sentido continuar laborando em tal atividade, tão pouco compreendida e mal remunerada. Mas tais dúvidas logo sucumbiam diante da enorme vontade de pintar e, de um jeito ou de outro, sempre fui encontrando uma saída para continuar criando meus quadros, como faço até hoje.

Quando comecei a mexer com tintas (primeiro com guache e depois tinta a óleo), lá pelos 12 anos, qualquer assunto me servia: um chalé avistado num passeio na serra, meu cachorro se coçando, temas místicos e bíblicos ( nesta ocasião gostava de ler trechos do Velho Testamento), visões futuristas, fantasias juvenis etc. Depois fui tomando contato com livros de arte, emprestados por uma vizinha que era bibliotecária e queria me incentivar, e passei "recriar" os grandes mestres. Coloco desta forma porque nunca gostei de ficar copiando a pintura de outros artistas mas sim de criar as minhas e, por conta disso, fiz várias combinações curiosas entre estilos, por exemplo: juntando o pontilhismo pós-impressionista com o expressionismo de Modigliani ou combinando o cubismo de Picasso com minhas fantasias futuristas. Tudo isso serviu para mim como um grande aprendizado mas aos poucos fui procurando um caminho mais pessoal, inicialmente dentro das questões de ordem temática e depois, ainda que de maneira inconsciente, dentro de contextos também formais.

Vem daí que aquela que hoje posso chamar de minha primeira fase artística, ainda juvenil mas já muito organizada em relação ao caos inicial, surgiu lá pela segunda metade dos anos 70 e durou até 1983, quando eu já era aluno da Escola de Belas Artes da UFRJ. Esta fase se caracteriza por ser inspirada no Rock Progressivo e em filmes e literatura de Ficção Científica, aos quais eu adorava e gosto até hoje. Nos trabalhos produzidos então, principalmente nos primeiros, predominavam as paisagens desérticas, de planetas distantes e inalcansáveis (a não ser pela imaginação), pintados principalmente em tons de azul. A tinta a óleo era muito esbatida, quase sem pinceladas aparentes, as passagens entre os tons feitas de forma suave (contudo, quando pintava com tinta acrílica as áreas coloridas eram geralmente mais recortadas, definidas, e o trabalho tornava-se uma pouco mais gráfico). Os céus eram imensos, às vezes cheios de nuvens ou esquentados pelos tons avermelhados do pôr do sol; já as noites eram profusamente estreladas, onde surgiam planetas exóticos e coloridos ou pequenas naves espaciais em forma de esfera ou de pirâmide. Por causa de fantasias deste gênero, de cunho bastante ilustrativo (mas muito sugestivas) meus colegas da EBA me chamavam na época (entre 81 e 84) de "Ricardinho Espacial".

Para ilustrar, postei as imagens acima, do final desta fase, que possuem um "pé"no surrealismo, tendo sido realizadas em 82 e 83 . Chamei (recentemente) a esta fase de "O Outro Lado da Realidade". A pintura de que mais gosto é a que está em destaque abaixo das outras ,"A Viagem de Titan" (óleo s/ mansonite, 120 X 80 cm). As outras chaman-se (na ordem em que foram colocadas): "Asteróide", "Eles Estão Chegando", "Surgiu ao Entardecer" "Tarde Ensolarada" (muito modificada por mim há quatro anos atrás), todas em óleo s/ mansonite, medindo 120 X 80 cm. Futuramente, trarei outras imagens representativas desta fase importante em minha carreira.

4 comentários:

Beatriz Peixoto disse...

Gostei muito desta pintura, em especial a de tons marrons, com o mar, as gaivotas e o que me parece um "crânio"... Muito interessante.
Realmente me chamou atenção. E vale comentar aqui também, a pintura do seu "cão" no qual você pintou passando pra outra dimensão... Muito bom. Parabéns pelo seu trabalho.

Ricardo A. B. Pereira disse...

Obrigado Beatriz. A pintura das gaivota e do "crânio" originalmente tinha um tom mais esverdeado, mas a passagem do tempo e uma foto não muito boa deram a ela esta tonalida mais amarronzada. Quanto ao "Holo", ele agora realmente vive em outra - a dimensão do sonho e da pintura.

Um abraço.

Ricardo

Anônimo disse...

Ricardo, te conheci fazendo sua arte nos fundos da casa de seus pais na Brasilândia, São Gonçalo. Vc não é só um bom amigo, companhia e artista. É uma lembrança que vale a pena cultivar. Ver novamente suas obras neste site me emocionou...muitas delas eu conheci ou testemunhei o parto. Vc está certo, não podemos lutar contra quem somos...toda nossa vida é marcada por essa nossa busca, de uma forma ou outra, por respostas. LAERT

Ricardo A. B. Pereira disse...

Exatamente, Laert, estamos sempre procurando respostas e cada um procura do seu jeito. O meu é através da arte. E enquanto procuro vou mantendo vivo o interesse pela vida e pelo sonho.

E como eu sonhava enquanto pintava naquele fundo de quintal! Hoje percebo que realizei grandes viagens e trouxe delas muitas "fotos".

O curioso é que o futuro que chegou ainda não é como aquele que imaginei aos 18 anos, portanto ele ainda está para chegar.

Vou continuar sonhando e trabalhando, vivendo o hoje da melhor maneira possível para tornar o amanhã uma realidade ainda mais interessante.

"Fantasias e ilusões num mundo eternamente mutável", dirão alguns.

E daí? As coisas do mundo são mutáveis e maleáveis, como tinta ou argila, justamente para serem modeladas segundo nossa capacidade de sonhar e concretizar nosso sonhos.

Que sejamos, então, mais criativos, e tornemos o mundo um lugar melhor!

Um abraço.