sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Após A Euforia... Os "Pseudoprimitivos"

Depois da série "Fantasias Pernambucanas", de 1986, entrei num momento um pouco mais introspectivo. Por esta ocasião já havia concluído todas as disciplinas principais do ciclo profissional do meu curso de Pintura na EBA, faltando apenas concluir algumas complementares, "chatas", que haviam ficado para depois.

Como precisava ganhar meu dinheiro, principalmente por que saíra da casa dos meus pais e estava dividindo um "ap" com a Bete (para onde carregara todo meu material de trabalho, juntamente com quase toda a produção de pinturas feitas na EBA, além das matrizes de xilogravura), consegui um estágio remunerado no Museu da República, no Laboratório de Restauração. Depois de um ano de trabalho neste estágio, fui contratado para trabalhar numa equipe de restauradores que estava restaurando duas salas importantes do Museu Nacional, que fica na Quinta da Boa Vista (RJ). Foram períodos de grande aprendizado e de trabalho árduo. De lá para cá tenho executado, de vez em quando, outros trabalhos de restauração em equipe ou sozinho (muitos com a direção da Bete, que se tornou restauradora em tempo integral, além de minha esposa) mas isto é outra história...

Voltando à pintura: nos intervalos em que não estava trabalhando em restauração, continuava o meu principal mister - criar pinturas e xilos (nesta época, frequentando muito pouco a EBA, não mais trabalhava na oficina de cerâmica). São desta fase os trabalhos que vêm a seguir, que reuni numa série que estou chamando de "Peseudoprimitivos". Como vocês perceberão, estas pinturas tem muita relação com a arte dita "primitiva" ou "ingênua", também com as figurações rupestres e étnicas, além de possuirem elementos dos desenhos infantis. Contudo, não são logicamente nada disso, porque sendo eu um artista que, já àquela altura, possuia conhecimentos acadêmicos sobre arte, ourindos de um curso superior e de muitas outras fontes, não poderia ser verdadeiramente primitivo (daí o prefixo "pseudo"). Desta forma apenas estava me apropriando de características destas artes mencionadas para reelabora-las de uma maneira que fosse pessoal e, se possível, universal.

Inspiráva-me em muitos outros artistas que antes de mim já haviam trabalhado neste sentido (eu mesmo já o fizera na EBA - ver série "Bestiário", por exemplo, nas postagens sobre os anos de 84/85) como Picasso, Klee, Dubeffet (e sua "Art Brut") entre outros. Portanto, sabia que não estava sendo original (e o que é original hoje em dia?), mas o que me interessava mesmo nestas artes "ancestrais", era reencontrar o sentido primeiro de se fazer arte (quando nem sequer existia este conceito, que é uma invenção do Renascimento), que tinha um sentido de "magia" naqueles primeiros dias do homem ainda primitivo, quando havia um contato mais íntimo entre ele e a Natureza. A força de tal arte emana, então, da expressão simples e direta deste contato com as forças telúricas e do seu temor e respeito em relação a elas, visível na arte rupestre que recobre o interior de inúmeras cavernas do mundo todo (e também paredões externos), nas decorações policrômicas dos primeiros vasos primitivos, nas esculturas singelíssimas das deusas da fertilidade etc.

Para conseguir tal contato, mergulhei cada vez mais fundo no meu "mar interior", buscando tirar dali elementos que tivessem esta força ancestral e que estão guardados lá no dentro de nossas almas. O resultado está nos exemplos postados abaixo (pertencentes a um conjunto muito maior de trabalhos), que possuem muitas das características, tanto plásticas quanto semânticas, que cultivo até hoje em minha arte.




"Pseudoprimitivo" 50 - óleo s/tela, peq. formato, 1988.


"Pseudoprimitivo" 38 - óleo s/mansonite, médio formato, 1988.


"Pseudoprimitivo" 52 - óleo e pasta de cera s/mansonite, médio formato, 1989/90.

"Pseudoprimitivo" 37 - óleo e p. de cera s/mansonite, peq. formato,1989.


"Pseudoprimitivo"XIX -óleo e p. de cera s/mansonite, 1990.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

"Fantasias Pernambucanas" - Continuação

Agora vou postar outros trabalhos que pertencem a série "Fantasias Pernambucanas", contudo não têm como foco o mesmo clima quase folclórico das pinturas anteriores. Estas aqui, em alguns casos, quase beiram a abstração, em outros momentos são muito eróticas, quase explícitas. Aquele era um tempo de "botar os bichos para fora" e o fiz sem pudor.



"Os Circuntantes" - óleo s/mansonite, 95 x 63 cm, 1986. O que mais gosto nesta pintura é a forma como as figuras se integram com o fundo e com os elementos abstratos. Isto faz com os aspectos semânticos e plásticos dialoguem muto bem. Cores e texturas são outros pontos fortes dentro do conjunto.

"A Orgia" - óleo s/ mansonite, 85 x 60 cm, 1986. Esta pintura têm características da anterior quanto ao jogo figuração X abstração, contudo é bem mais sarcástica do que aquela.

"Os Mundanos" - óleo s/mansonite, 61 x 91 cm, 1986. Isto é uma luta colorida de monstros abismais. O que significa? Não sei - coisas do subconsciente.

"O Surubim das Três Graças" - óleo s/mansonite, 61 x 91 cm, 1986. Esta possivelmente é a versão do tema mitológico "As Três Graças" mais extravagante que já foi pintado.

"Os Licenciosos"- óleo s/mansonite, 61 x 91 cm, 1986. Outro grupo extravagante em ação.


"As Tentações de Um Pintor Santo"- óleo s/mansonite, 91 x 61, 1986. Para nos tornarmos santos precisamos conhecer o pecado e comete-los. Para ser um pintor "santo" o artista tem que também "pecar". É um auto-retrato.


"O Passarinho"- óleo s/mansonite, 91 x 61 cm, 1986. Este quadro era inicialmente uma pintura abstrata. Não estava bom, por isso mudei sua posição e continuei o trabalho. Surgiu daí este exótico "passarinho meio-lá-meio-cá". Outro fruto do "abismo profundo" que é subconsciente.

De Volta à Pintura - Fantasias Pernambucanas

Retornando às pinturas, vou falar de uma série de trabalhos realizados em 1986. Nesta ocasião fiz uma viagem à Recife, onde nasci, para participar de um seminário sobre restauração de obras de arte. Lá pude conhecer Olinda e seus muitos aspectos culturais, especialmente pude assistir a alguns eventos folclóricos bastante animados e coloridos, trazendo deles uma viva recordação e me sentindo como alguém que redescobre suas raízes.

A partir desta experiência, pintei o que agora estou chamando de "Fantasias Pernambucanas", unindo um pouco do que vi lá em Olinda e Recife com o que já vinha fazendo, especialmente em termos de xilogravuras. Talvez por isso estes trábalhos sejam tão gráficos e tenham uma forte dose de erotismo. Por outro lado são extremamente coloridos (alguns até com certo exagero - coisas da juventude) e testemunham meu grande interesse pela vida, extravasando vitalidade e euforia a cada pincelada.



"Uma Noite Em Olinda" - óleo s/ mansonite, 61 X 91 cm, 1996. Considero este um dos melhores representantews desta fase. É alegre, cheio de movimento, muito colorido e, como os demais, muito gráfico, diretamente derivado das xilos que eu fazia nesta época (85/6).

"Carnaval em Recife" - óleo s/ mansonite, 61 X 91 cm, 1986. Mais uma festa animada, onde usei a pintura como veículo para exprtessar a fantasia e a alegria de viver.

"Cena Pernambucana"- óleo s/mansonite, 61 x91 cm, 1986. Este é um pouco mais enigmático.

"Fauna Tropical"- óleo s/ mansonite, 61 x 91 cm, 1986. Esta pintura bizarra tem um clima de verão intenso, chega a dar impressão de emanar luz. Isso se deve a forte presença de amarelos e laranjas, especialmente no fundo.


"Oh, Meu Surubim!"- óleo s/ mansonite, 61 x 91 cm, 1986. Outra pintura bastante curiosa e enigmática. Plasticamente ela tem como ponto forte a composição e a relaçãoe de cores quentes ao redor do peixe, que nos chama para a variedade do colorido de suas escamas. E a figura que segura o peixe, tem quatro pernas ou são duas figuras com uma só cabeça? (ou nada disso?)

"O Cangaceiro da Biruta e Seu Filho Pitoca" - óleo s/mansonite, 61 x 91 cm, 1986. Este é um tanto o quanto ilustrativo demais. Toda via sua igenuidade te, para mim, um atrativo especial.

"A Musa das Américas" - óleo s/mansonite, 61 x 91 cm, 1986. De quais Americas bizarras esta figura extravagante é musa?